De fiscais da democracia a bajuladores do status quo, veículos que antes denunciavam injustiças agora engolem discursos oficiais e tratam críticas como “inveja”
Eunápolis, BA – Houve um tempo em que a imprensa local era temida por prefeitos, vereadores e secretários. Jornais, rádios e repórteres investigavam, questionavam e não aceitavam respostas evasivas. O povo, ainda que sofrido, sabia que havia quem desse voz ao seu descontentamento. Hoje, porém, essa mesma imprensa parece ter trocado sua missão por migalhas de verbas publicitárias, transformando-se em mera caixa de ressonância do poder.
O Silêncio que Fala Mais Alto
Basta olhar para as manchetes dos últimos anos:
Onde estão as denúncias sobre a saúde precária?
Por que não se investiga o sucateamento da educação?
Quem questiona os contratos milionários sem licitação?
A resposta é sempre a mesma: um silêncio cúmplice. Quando algum veículo ousa levantar dúvidas, a reação do governo é rápida: “Inveja”, “Interesse político”, “Querem cargo público”. E, pasmem, parte da mídia repete esse discurso como se fosse verdade absoluta.
A Transformação: De Cães de Guarda a Animais de Estimação.
Não é difícil entender a mudança. Quem paga a orquestra escolhe a música. Com a concentração de verbas publicitárias nas mãos do governo, muitos veículos preferem o conforto do silêncio ao risco de perder anúncios. O resultado?
Antes: Reportagens expunham desvios, cobravam transparência e davam espaço às vozes críticas.
Hoje: Publicam releases oficiais, elogiam obras superfaturadas e tratam gestões problemáticas como “exemplos de sucesso”.
“Virou crime ser crítico em Eunápolis. Se você aponta um problema, já dizem que é por interesse pessoal. E a imprensa, que deveria ser a primeira a questionar, muitas vezes é a primeira a repetir esse discurso”, denuncia um professor universitário que preferiu não se identificar.
A Cartada Pronta: “É Inveja!”
O mecanismo é previsível. Alguém ousa criticar? Automaticamente, a máquina de difamação pública é acionada:
1. “Está querendo cargo” – Como se ninguém pudesse reclamar sem segundas intenções.
2. “Está a serviço da oposição”– Porque, claro, só quem apoia o governo é “isento”.
3. “Invejoso!” – O argumento preferido para quem não tem resposta.
Enquanto isso, a cidade que a imprensa descreve como “um paraíso” continua com:
– Hospitais sem medicamentos
– Escolas caindo aos pedaços
– Estradas esburacadas
Mas, segundo alguns veículos, tudo está maravilhoso.
O Preço do Silêncio
A imprensa tem um papel fundamental: ser o contrapeso ao poder. Quando ela se curva, a democracia definha. Se antes os jornalistas eram vistos como defensores do povo, hoje muitos são vistos como porta-vozes do governo.
E a pergunta que fica: Se a mídia não cumpre mais seu papel, quem restará para lutar pelo povo?